Josino Souza

Ao Mestre com Carinho

Por João Pedro Néia

Contar a história de Josino Francisco de Souza é, de certo modo, contar a história de Ubatuba e também do Litoral Norte. Desde que chegou de Paraisópolis, Minas Gerais, no fim da década de 50, Josino foi testemunha ou protagonista de eventos importantes na história da região.

Sua vida como mestre no judô já seria o suficiente para fazer de Josino a figura ilustre que é. Pelas suas mãos, centenas (talvez milhares) de jovens e crianças receberam ensinamentos para além do esporte. Mas o alcance dos seus feitos só pode ser compreendido à medida que descobrimos os pequenos detalhes de sua vida e também de sua família, detalhes que se mesclam com todas as áreas da vida.

Nascido e criado na zona rural, o garoto Josino gostava de laçar gado e arrumar confusão. “Era briguento”, resume o filho Roger. O sítio em que morava ficava a 40km da cidade, distância que na época só podia ser percorrida a cavalo ou de charrete. Só pisou numa cidade aos 18 anos, para cumprir com o dever cívico do alistamento militar. O primeiro sapato só calçou aos 15. “Pra fazer a primeira comunhão”, conta. A mãe era quem mantinha a ordem. O pai, cego e paralítico, pouco podia fazer para conter as bagunças de Josino, caçula de um total de 11 irmãos.

No exército, Josino aprendeu a importância da disciplina, princípio que adota até hoje e que serviu de guia para a formação de todos os alunos que passaram por sua tutela. O serviço militar acabou sendo o responsável indireto por sua mudança para o Litoral Norte.

Assim que saí do exército, com uns 19 anos, tinha um ônibus vindo pra Caraguatatuba pra conhecer o mar. Nunca tinha visto o mar. Entrei no ônibus e vim”, diz Josino. À época, final dos anos 50, Josino tinha dois irmãos comerciantes em Caraguá. A viagem de Minas até o litoral norte levou mais de 24h. “Viemos naquele ônibus jardineira, aberto nas laterais. A gente era parado em todos os postos policiais”, relembra. Ao ver o mar pela primeira vez, sua reação foi curiosa. “Fui tomar água do mar pra ver se era salgada mesmo”, conta aos risos. O mestre deixava Minas Gerais para nunca mais voltar.

Em Caraguá logo se tornou empreendedor e obteve sucesso como comerciante. O ano de 1958 marca o momento em que o judô entrou na vida de Josino, então com 20 anos. “Comecei o judô em Caraguá, na areia da praia, com o professor Silvio. Quando ele faleceu, eu fiquei como instrutor”, diz.

Foi testemunha da tragédia em Caraguá em 1967, quando enchentes e deslizamentos de terra desfiguraram a cidade, matando pessoas e destruindo as casas e o futuro de muitos moradores. Na época, comandava duas padarias no centro da cidade e teve um alto prejuízo em produtos e materiais. Mas a lembrança mais forte é a dos mortos e do sofrimento das pessoas. “Tinha muitos corpos. Gente morta empilhada nas ruas. A cidade ficou isolada. Lembro da Santa Casa cercada de destroços”, conta. “Só quem viu é que pode falar. Contar é uma coisa, assistir àquela tristeza é outra”. Homem de ação, participou da reconstrução da cidade, que aos poucos se reergueu da catástrofe.

Ubatuba

Em 1970, Josino se casou com Elizabeth Prado de Souza, sua companheira até hoje e com quem teve os três filhos: Charles, Roger e Giselle. Elizabeth, que é enfermeira formada pela USP, foi chefe da equipe de enfermagem na cirurgia do primeiro transplante de coração realizado no Brasil, em 1968.

Convidada para assumir a chefia da Santa Casa em Ubatuba, o casal se mudou em 1972. “Vendi as padarias e viemos”, diz Josino. A aptidão para o empreendedorismo continuou e Josino colocou seu tino comercial em ação abrindo um armazém no Sertão da Quina. Comercializava itens básicos, como arroz, feijão e outros produtos. Montou até um “açougue” no local. “Já tinha geladeira. Comprava as peças, cortava os pedaços e vendia”, conta.

Além de investir no comércio, teve forte envolvimento nas questões sociais, apostando no crescimento da região. Ajudou a levar luz ao bairro; treinou o time de futebol e registrou a equipe na Federação municipal; levava o time para partidas fora de Ubatuba e até trouxe o Nacional, tradicional clube paulista do passado, para jogar um amistoso de graça contra o selecionado do Sertão da Quina. Também deu aulas de judô para as crianças do bairro.

As iniciativas de cunho social sempre estiveram presentes na trajetória de Josino. Ao longo dos anos, foi proprietário de padaria em diversos bairros da cidade. Fazia entregas de pão e aproveitava para fazer doações para famílias pobres em bairros como Monte Valério, Corcovado, Sesmaria, entre outros. “As crianças faziam uma fila e eu ia distribuindo”, conta. Asilo e Santa Casa também recebiam doações com frequência.

Amor ao Próximo

Uma história surpreendente resume o espírito de Josino e família.

Quando era chefe de enfermagem na Santa Casa de Ubatuba, cargo que ocupou até se aposentar, Elizabeth soube do caso de um menino indígena de 5 anos que padecia com tuberculose no hospital, em estado grave. Os médicos disseram que, se ele voltasse para a aldeia, não conseguiria sobreviver. Após uma breve reunião, resolveram adotar o garoto. Os trâmites da lei foram seguidos à risca e o menino ficou sob o cuidado da família, na expectativa de que se recuperasse plenamente.

A família indígena do menino foi embora de Ubatuba para uma aldeia no interior do Rio de Janeiro. Josino levava o indiozinho duas vezes por mês para visitar a família numa aldeia próxima a Angra dos Reis, como forma de manter vivo o vínculo da criança com suas raízes. Conheceu assim várias tribos na rota entre Ubatuba e Angra dos Reis. Apesar de desenganado pelos médicos, fez parte da família de Josino até os 16 anos, quando morreu por conta das sequelas da doença.

Andanças pelo Litoral

Dizer que Josino é personagem da história do litoral norte não é exagero. Além de Caraguá e Ubatuba, também morou um tempo em São Sebastião, onde teve contato próximo com funcionários da Petrobras. Presenciou de perto as atividades da estatal no município e, de quebra, aprendeu a falar inglês.

“Nunca tinha ouvido falar em outra língua, fui lá entregar pão e aqueles camaradas falando tudo enrolado. Pensei: como que eu faço pra falar inglês igual eles? Tinha um engraxate que falava inglês bem, aí eu arrumei serviço pra ele na padaria pra ele falar inglês comigo. Aprendi a falar o inglês assim”, relembra.

Josino é irmão do Maestro Pedrinho, figura importante na cultura do Litoral Norte e que dá nome à banda Retreta Maestro Pedrinho.

A arte de lutar

Josino está em Ubatuba há quase 45 anos. 39 deles à frente da academia Dojo Kano, fundada em 1977 e uma das instituições mais antigas e sólidas de Ubatuba. O galpão no número 700 da rua Coronel Domiciano, no centro, é o local em que o judô ganha vida, transformando o espaço em uma confraria onde todos são parte de uma só família.

O filho do meio, Roger Prado de Souza, foi criado nesse ambiente. Pupilo do próprio pai, formou-se faixa preta e hoje comanda a academia com o mesmo espírito de Josino. Roger morou e deu aulas de judô fora do Brasil, mas resolveu voltar para usar sua experiência a favor de Ubatuba.

Roger é o mentor de um projeto que tem registrado em vídeo as inúmeras histórias vividas pelo pai dentro e fora do esporte. Pai e filho criaram um canal no Youtube para hospedar os vídeos, que além de preservar a memória de Josino, reconstroem pedaços da história de Ubatuba nas últimas quatro décadas.

“Quando eu vim pra cá, em matéria de esportes só tinha a Liga de futebol e o João Maria, que tinha academia de musculação no quintal da casa dele. João Maria que é avô do Filipe Toledo, pai do Ricardinho”, diz. O judô ainda era um hobby. Nas épocas de escassez de alunos, tirava dinheiro do comércio para garantir o futuro da academia.

Josino é detentor da faixa coral (vermelha e branca), reservada àqueles que alcançam entre o quinto e o oitavo Dan (grau de maestria). São chamados de Kodansha, palavra japonesa que significa pessoas de grau elevado.

Por circunstâncias da vida e do tempo, estudou apenas até o terceiro ano primário. Mas fala inglês, espanhol e japonês. Conheceu mais de 30 países, a passeio ou em competições. Foi campeão mundial na categoria Master em 2003 e vice em 2001.

Em 2011, seu Josino deu um susto na família e nos amigos. No dia 12 de dezembro daquele ano, sofreu um infarto e, na cirurgia, teve um AVC. “Aconteceu 8 dias antes do meu aniversário. Passei o aniversário operado do coração”, relembra com bom humor. Recuperado, mantém-se ativo dando palestras, viajando para assistir competições e atuando profissionalmente como massagista.

Acima de tudo, é um apaixonado por Ubatuba.

“É uma honra e um orgulho ser morador e cidadão ubatubense, título dado pela prefeitura”, orgulha-se. “A principal razão de estar em Ubatuba hoje é ter descoberto o paraíso. Eu saí de Paraisópolis e vim morar em Ubatuba que, pra mim, é um paraíso. Aqui nós temos tudo de graça. Natureza. Ar puro. Pessoas magníficas”, diz.

A herança de Josino e de sua família é a devoção pelas noções de cidadania e respeito.

“Meu esquema é fazer com que a pessoa goste da cidade e seja um cidadão. Não falar mal. A pessoa que pensa coisa errada atrai coisa errada. Meu sistema de vida é esse e sou muito feliz assim”, garante.